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2017 foi um ano extraordinário em leituras. No meio dos quase 80 livros, alguns destacaram-se pela sua qualidade, pelo tema abordado, pela escrita e pelo impacto. As Lamas do Mississípi foi, seguramente, um desses livros.
Quando, a semana passada, percebi que ia estrear em Portugal o filme baseado nesse mesmo livro fiquei com mixed feelings. Dum lado a excitação por um livro extraordinário ser adaptado ao cinema e, portanto, a sua história (e que história!) ter hipótese de chegar a mais pessoas, por outro o medo que - como habitual - estragassem o livro, alterando personagens ou acontecimentos.
Ontem foi a ante-estreia e, em resultado dum passatempo organizado pela Saída de Emergência, tive oportunidade de o ir ver.
134 minutos. Esta é a duração do filme e posso afirmar, sem qualquer margem para dúvida, que passaram num ápice. Quase que nem dei conta do tempo passar. Entre interpretações fantásticas e um respeito quase absoluto pela história original, o filme é, claramente, um dos melhores que vi nos últimos tempos e talvez entre, assim de repente, para os livros que podemos julgar pelo filme.
A única coisa que realmente me aborrece nisto é que a editora mudou a capa do livro. A capa original era soberba e agora a capa que vi é com a imagem do filme. Não façam isso! os livros merecem capas próprias, como esta:
E não capas como esta:
(apesar dos actores serem muito jeitosos, mas adiante)
Portanto... importam-se de me fazer o favor de ir ver este filme e de ler este livro?
Entretanto...
As Lamas do Mississípi de Hillary Jordan
ISBN: 9789897730771
Editado em 2017 pela Saída de Emergência
Sinopse
Entre a subtileza e a brutalidade, o preconceito pode assumir muitas formas.
Estamos em 1946 e a citadina Laura McAllan tenta criar os filhos na quinta do seu marido no Mississípi - para ela, um lugar parado no tempo e assustador. Entretanto, no meio das lutas familiares, dois jovens regressam da guerra. Jamie McAllan, cunhado de Laura, é tudo o que o seu marido não é - charmoso, bonito e assombrado pelas memórias dos combates. Ronsel Jackson, filho mais velho dos caseiros negros que vivem na quinta dos McAllan, regressou a casa como herói de guerra. No entanto, independentemente da sua bravura, ele terá de enfrentar batalhas ainda maiores perante o racismo e a intolerância dos seus compatriotas.
É a improvável amizade destes irmãos de armas que guia os acontecimentos, à medida que somos imersos nas lealdades familiares e testemunhamos as paixões e ódios que irrompem no seio de uma comunidade onde a tragédia não se fará esperar…
A minha opinião
Creio que não será exactamente vulgar que um romance de estreia de um escritor seja tão bem sucedido quanto este. As Lamas do Mississípi é um romance forte, pesado, que nos leva às terras do Mississípi pela década de 50 do século XX, logo após a segunda grande guerra e em pleno clima de intolerância para com os negros, considerados seres de segunda ou terceira categoria, aptos apenas para a apanha do algodão:
... Mesmo que eu tivesse dinheiro para comprar uma (máquina de apanhar algodão), não a queria. Deem-me um apanhador de cor em qualquer altura. Não há nada nem ninguém que consiga fazer um melhor trabalho de apanha. O preto do sul tem a apanha do algodão no sangue. Basta ver as crianças de cor nos campos para vermos isso. Mesmo antes de nos chegarem aos joelhos, os dedos delas sabem o que fazer. É claro que a apanha é como qualquer outra tarefa que lhes dêmos, temos de estar sempre de olho neles, para nos certificarmos que não estão a enganar-nos...
É neste clima que conhecemos Henry, Jamie, Laura, Harper, Rossie e Florence, as personagens que nos contam a sua versão da mesma história que começa (ou talvez acabe) com o funeral do pai de Henry e Jamie, um velho embirrento, racista e antipático.
Hillary Jordan transporta-nos, como por magia, para um mundo que achamos distante, para vivenciar situações que nos irritam e outras que nos deixam com esperança. Vivemos, por algumas páginas, num mundo que, além de racista, rebaixava as mulheres, considerando-as posse dos seus maridos, incapazes... quase ao nível dos negros. Agora imaginem o que seria ser mulher e negra?
As Lamas do Mississípi é um livro sobre relações. Entre brancos e negros, entre homens e mulheres. Entre pessoas da mesma família. É a história dum casamento, da dinâmica familiar e das relações entre fazendeiros e rendeiros. De injustiças, racismo e do papel das mulheres numa sociedade em que os homens brancos achavam-se superiores a quem não o fosse. Ao dar-nos a conhecer o que cada um dos seis narradores pensa sobre os acontecimentos, tornamos-nos parte do livro, envolvemos-nos com as personagens que amamos e odiamos.
As Lamas do Mississípi é um livro que custa a acabar, que sentimos que vai fazer parte de nós. E é, acima de tudo, um livro a ler, principalmente por quem procura um livro inteligente, humano e maravilhoso. E é também a esperança que a autora continue a escrever desta forma brilhante, que eu cá estarei para a ler.
Classificação:
(este livro foi-me oferecido pela Saída de Emergência em troca duma opinião honesta e sincera)
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