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Havia uma lengalenga que eu adorava quando era miúda. Esperem, ainda a adoro, o que pode querer dizer que ainda sou uma miúda (e é assim que me sinto sempre, apesar da idade. Afinal, a idade é um estado de espírito e não uma condição física).
Mas estou a afastar-me do tema, a lengalenga, aquela que eu adorava e que dizia que o tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo respondeu ao tempo que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem.
Do alto da sabedoria da criança que era, sempre achei que esta lengalenga me transmitia que era eu que decidia o que fazer com o meu tempo e que teria de fazer com que tivesse tempo para tudo e que tudo coubesse no meu tempo.
Foi por isso que aprendi a gerir o tempo deixando sempre espaço para as coisas que amo – a família e os livros. Teria sempre de ter tempo para ler, não obstante saber que não terei nunca tempo de ler tudo o que quero. Mas faz-se o que se pode e por isso eu posso ler. E leio.
Entre o trabalho, a família, os passeios, a televisão e a internet – para mencionar apenas algumas coisas – os livros estão sempre lá. Vão comigo à praia e ao campo. Estão na sala e na casa de banho (sim, eu leio na casa de banho). Leio nos transportes ou enquanto espero para ser atendida. Todas as alturas são boas para ler e ler, em qualquer altura, é delicioso. Confesso, por isso, que não entendo as pessoas que dizem que não têm tempo para ler. Certo, quando os meus filhos eram bebés, talvez lesse menos do que leio agora. Mas mesmo nessa altura, entre fraldas, biberons e sestas, havia sempre um livro por perto.
O tempo, meus amigos, o tempo somos nós que o arranjamos. Basta querermos.
(in revista Inominável nº 0 e publicado também aqui)
Acho que todos sabem que gosto de ler, não é coisa que faça segredo. Nem toda a gente entende mas a verdade é que ando sempre com um livro atrás (e há fortes probabilidades da tendinite que me anda a maçar o raio do ombro ser causada precisamente porque ando sempre com um livro na mala – entre todas as outras coisas que cabem numa mala de mulher e que fazem com que os meus filhos e o marido tenham medo de lá mexer).
E ando com o livro atrás porque eu leio em todo o lado. Leio nos transportes (barco e metro) porque vivo e trabalho em margens diferentes do Rio Tejo. A hora que demoro entre a casa e o trabalho é uma excelente oportunidade para ler. Não consigo ler no autocarro. Mas também o uso tão pouco que não faz grande diferença.
Leio quando almoço/lancho/janto sozinha, enquanto espero pela comida e entre duas garfadas. Já me aconteceu escolher comida que me permita comer só com uma mão para que a outra segure o livro.
Leio na casa de banho, às vezes até ficar com as pernas dormentes. Já me aconteceu estar tão embrenhada na leitura que estive sentada na sanita quase duas horas… Irritam-me as casas de banho com sensores. Se estou a ler sossegada, as luzes apagam-se e eu tenho de deixar de ler para me mexer e acender, de novo, as luzes.
Gosto, na meia estação, sem muito frio e sem muito calor, de ler no jardim, sentada no banco, ao pé do meu local de trabalho. Nem sequer me importo com as crianças que brincam no jardim, só me incomodam as moscas e as pessoas que não sabem o que é um caixote do lixo e espalham o lixo todo no chão.
Gosto de ler enquanto espero/desespero por uma consulta médica – no hospital, no centro de saúde ou num consultório. Se tenho de esperar mais de cinco minutos, o livro ajuda-me a passar o tempo.
Adoro ler na praia. Deitada na toalha ou sentada na cadeira. Se estiver sentada numa cadeira, gosto de estar mesmo à beira do mar. Passo horas assim, a ler, com os pés dentro de água. Até me esqueço que é preciso ir-me molhando – mas o marido e os filhos salpicam-me de surpresa. Bem podem tentar avisar, eu não os ouço. Quando estou a ler, morro para o mundo real e desperto no mundo dos livros. E de vez em quando lá levo com uma onda em cima. Normalmente até me tentam avisar mas não vale mesmo a pena.
Na piscina, enquanto uns nadam e outros brincam, eu leio. De vez em quando lá tomo uma banhoca para não dizerem que não me molhei mas a leitura é um passatempo bem melhor.
Com a ajuda da minha Triipi, leio no sofá. Deitada, recostada, como calha.
Só não leio na cama. Recuso-me a deixar que os livros entrem no quarto. Mas só porque quando o fazia, acontecia imensas vezes apagar a luz quase na hora de me levantar para ir trabalhar. E eu preciso de dormir, de descansar algumas horas para não ficar rabugenta e irritadiça.
Resumindo, gosto de ler. Ninguém diria, não é verdade?
Há quem tenha uma necessidade extrema de escrever e há quem tenha uma necessidade extrema de ler. Ambos, escritor e leitor, são pessoas. Únicas. Com defeitos, virtudes, capacidades que fazem com que a sua forma de ler ou escrever seja, também ela única, porque é reflexo da sua forma de estar e de ser.
Mas há um laço que os une – a palavra, os textos. Escritos por uns, lidos pelos outros.
Saber escrever é ter preocupações com a ortografia e a gramática. É respeitar a língua na qual escrevemos, é ter o cuidado de nos aperfeiçoarmos. É saber transmitir, em palavras, histórias e sentimentos. É aceitar críticas construtivas. E é ler. Ler muito. É saber ler.
E saber ler não é passar os olhos na diagonal, chegar ao fim e dizer que o título diz tudo. Saber ler é ler com espírito crítico, ler nas linhas e nas entrelinhas. Saber ler é apreender tudo o que está no texto. É ler uma frase e pensar que ficaria melhor de uma ou doutra maneira, ou pensar que é uma frase perfeita e que gostaria de ter sido o próprio a escrevê-la. Ler é também viajar. Pelas imagens que outros construíram. Viver as vidas que outros imaginaram.
Muita da minha aprendizagem saiu dos livros e dos textos que vou lendo. Hoje, quando escrevo alguma coisa, não perco de vista autores que me influenciam, de forma positiva ou negativa. É nos textos deles que encontro as lições que preciso para escrever (e tanto que ainda tenho para aprender…).
Enquanto houver quem saiba ler terá de haver quem saiba escrever (ou vice-versa). A leitura não existe sem a escrita, mas a escrita também não existe sem a leitura. São duas faces da mesma moeda – os textos – que se devem respeitar e entreajudar.
E como funciona essa entreajuda? Simples. O escritor deve corresponder às expectativas do seu leitor, continuando a escrever, melhorando a sua escrita e publicando-a. E o leitor deve ler com o respeito que qualquer texto merece, fazendo, críticas construtivas que ajudem o autor a melhorar. E é essa a função do leitor. Ajudar o autor a encontrar as suas falhas, para que, no texto seguinte, possa melhorar.
Num intercâmbio perfeito em que todos beneficiam.
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